Os tretas. |
Esta semana, enquanto viajava, ao meu lado sentava-se uma pessoa com os seus 50 anos, bem vestida, bem parecida, no entanto, com uma apatez que já não considero estranha visto ser de manhã, hora em que a maioria das pessoas começam o seu dia de trabalho. Chamemos-lhe Carlota (nome fictício). Começamos a conversar e por qualquer motivo que já não me recordo, o assunto foi parar ao trabalho. Disse-lhe que naquele momento me encontrava a caminho de uma visita de Cliente Mistério (para quem não sabe, são aquelas pessoas que visitam lojas, fazendo-se passar por clientes mas que apenas lá estão para vos avaliar). Conversamos um pouco sobre isso e a Carlota achou "piada" a este tipo de trabalho e acabou por me questionar como poderia fazer o mesmo, uma vez que se tratam de trabalhos esporádicos e que podem ser desenvolvidos em tempos livres. Dei-lhe alguns sites onde se poderia inscrever e contei-lhe um pouco sobre o meu percurso. Uma coisa leva à outra e acabei por contar que, há cerca de dois anos, despedi o meu patrão e disse "BASTA". Que a partir desse momento decidi tomar as rédeas do meu destino e deixar de trabalhar para realizar os sonhos dos outros. No final, a Carlota confessou-me aquele que eu percebi ser o motivo da sua apatez. Virou-se para mim e disse: - "Olhe. Eu gostei de si. Da sua forma de ser e de como parecer ser uma pessoa íntegra e portanto vou-lhe confessar algo que não deveria ser exposto." Questionei-me o que viria dali, principalmente sabendo já que esta trabalha para uma empresa que presta serviços a uma conceituada multinacional que certamente não iria gostar do que aconteceu. Por motivos óbvios, não me cabe a mim aqui expôr nomes. Continuando. - "A semana passada tivemos uma reunião na empresa e fomos informados que a situação estava bastante mal e algumas mudanças eram necessárias." Comecei a estranhar aquela conversa, principalmente por saber do sucesso que tal empresa está a ter. Mas deixei-a continuar. - "Sabe, eu até este mês ganhava uma média de 1000€ por mês. A partir de agora, ganho 540€". Fiquei estupefacto. Como é possível um corte tão abrupto? - "E mais. Estou a recibos verdes. Pago todos os meses 120€ de descontos. Sobram-me uns míseros 400€. Ontem saí do trabalho após a meia-noite e neste momento já estou a caminho de lá novamente". (Eram cerca de 9 horas quando esta conversa aconteceu). Mas o que me causou ainda mais revolta foi a frase seguinte: - "Mas sabe? É curioso como até ao dia da reunião o meu patrão se queixava de como as coisas andavam mal, mas desde esse dia para cá, tenho-o visto sempre alegre e bem disposto!" PUDERA!!! Imaginemos que tenho 10 funcionários a ganharem 1000€ por mês cada um. Corto-lhes 50% do ordenado e todos os meses estou a embolsar 5000€. E eles que se desenrasquem com os impostos porque eu cá só me interessa o recibinho no final do mês para lhes fazer o pagamento! Todos nós sabemos que há empresários sem escrúpulos e que se aproveitam da fragilidade das pessoas e da necessidade de muitos em (sobre)viver. Esta é uma matéria sensível porque aliados a estes empresários, também temos aquelas pessoas que se vendem a troco de tuta e meia. Temos aqueles que aceitam estágios não remunerados por períodos indeterminados, os que aceitam estágio após estágio só para "ganhar experiência". É complicado. Se por um lado exigem experiência a um candidato, por outro também não lhe dão a hipótese de aprender. Durante a minha vida tive muitas experiências profissionais. Fiz de tudo um pouco. Fui desde o "moço" dos recados até Director Geral de empresas. Sei dar valor a quem o tem e uma coisa garanto: ao contratar alguém, não sendo para uma tarefa específica que assim o obrigue, prefiro mais depressa contratar uma pessoa sem qualquer experiência do que alguém que já vem "viciado" de outra empresa, principalmente quando se lida com cliente e/ou produtos cujo mais pequeno erro pode ser extremamente caro. A título de exemplo, estive responsável por uma empresa onde um funcionário experiente apenas por dizer direita em vez de esquerda, provocou um prejuízo de 300.000€. Bem, não nos desviemos do assunto principal. Há muitos empresários bons em todo o lado e o nosso país é rico em empreendedores com sentido de justiça e empresas onde os esforços dos colaboradores são recompensados e onde estes são tratados como deve ser - como o motivo pelo qual a empresa funciona. Existe uma enorme diferença entre um patrão e um líder. Um patrão é um dono, um líder é um companheiro de trabalho. Um conselho a todos os que procuram emprego ou não estão satisfeitos: não se vendam! Caso não tenham outra hipótese que não seja trabalhar para alguém, pelo menos mostrem o vosso valor. Não permitam que vos faltem ao respeito e acima de tudo, partilhem isso mesmo com os vossos conhecidos. Se toda a gente se opuser a trabalhar em condições desumanas, este tipo de empresário irá repensar a sua forma de gerir. Para finalizar, quando penso nestas questões lembro-me sempre de uma história que li há uns tempos em que dizia que o dono de um restaurante procurava um músico para tocar ao vivo no seu estabelecimento mas que não haveria pagamento. O músico com isto iria dar a conhecer o seu trabalho e tornar-se mais famoso. Em resposta ao anúncio, um músico escreveu que agradecia a proposta mas não iria aceitar, no entanto passaria a ir todos os dias almoçar e jantar ao restaurante mas que não iria pagar pois era uma oportunidade do dono do restaurante dar a conhecer as suas especialidades. Com tudo isto, estou cada vez mais farto dos tretas! |